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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sabor de aurora

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã. Um belíssimo horizonte. Ninguém, benemérito leitor assim, assado e cozinhado em banho-maria, neste conceituado caldeirão de lorotas, ninguém mesmo, desperdice seu tempo e congênita maledicência, a duvidar desse, ainda que tarde, despertar. Na gente deu o hábito de caminhar entre as trevas, de murmurar entre as pregas, de tirar leite das pedras, de ver o tempo correr. Pois muito bem, amanheceu o espetáculo. O mais engraçado é que a segunda-feira passada tinha tudo para contribuir com um carregamento extra de agulhas e de alfinetes para a crônica da sexta-feira, antecipada para quinta-feira à noite, tão somente porque o semestre acabou não sei como, de supetão, pensei que não, chegara a bendita hora de ser feliz, para ser infeliz mais adiante, feliz agora, sexta-feira... também. Os dois semestres, o findo e o recém-nascido, rá rá rá, aportaram entrelaçados, se lhe interessa acreditar, acredite, minha senhora, semestrinhos siameses, um grude só, eu, coitadinha, me esvaindo em preguiça e em legítima canseira, pálida imagem tridimensional apática, de dar dó. Para que tanto alvoroço, rapaz? Carrego, nas entranhas, esse arraigado sentimento de defesa do luto primordial pelo que se vai, bálsamo irremediável - uma pausa de mil compassos para ver as meninas - as devidas despedidas com saudade, saúde, sorte, sucesso, conte sempre comigo, a gente se esbarra por aí, gosto das coisinhas nos conformes, começo, meio e até loguinho, tudo direitinho, as antessalas arejadas depois, caiadas da velha, inédita luz, as mangas arregaçadas para o acolhimento do novo. De novo. Hoje, por exemplo, não dei aula aos abençoados de Petróleo II, completamente cega já, de tanto enxergar a razão por que os meninos sequer me reconheceram, ao pé da escada, ansiosos pela confirmação do fuxico do face, apenas: a aprovação, de cabo a rabo (parabéns, pessoas!!!), as avezinhas apressaram-se em lançar-me beijinhos fortuitos, dentro do ar, revoaram para o olho da rua. Entendo demais, meus amores, nesse particular, somos muito iguais.
Comecei a semana com o bode amarrado e não foi na sombra, não mesmo. Aposto que a senhora aposta na mudança do tom da conversa, não mais que de repente, principalmente se a senhora anda aí na pasmaceira, esparramada na sua rede social, tomando conta da minha nada mole vida, fofoca de facebook é fogo, o sujeito perde a repercussão de vista, a fofoqueira senior em questão, sou euzinha com farofa, admito, a culpa é do meu bucho de piaba, fico antecipando assunto de historinha, resumindo os próximos capítulos, rá rá rá, marketing, minha senhora, a senhora sabe. Divulguei, beforehand, o título da crônica, no livrinho virtual de dar a cara à tapa, danou-se a nêga do doce, meus trinta e um seguidores, quarenta e sete desafetos, mais um ou outro leitor neutro circunstancial, todo mundo ficou esperando a Peroba-do-campo, diga aí a mais pura verdade. De fato, estava armada de afiadas unhas e dentes para espetar o traseiro dos irmãos cara-de-pau de plantão, uma categoria sui generis de ser vivente, que circula, livremente, impunemente, nas luxuosas dependências da nossa valorosa instituição de ensino, destilando diárias, homeopáticas poções mágicas de fel. Debaixo dos caracóis dos cabelos, madame, vicejam desvios, fraquezas, vulnerabilidades, somos homens de bem e de mal, disso a senhora nunca se esqueça, orai, pois, joelhos esfolados, orai e vigiai, a ocasião faz o ladrão, mera distração, já era. Desconfio que o tema é recorrente, entretanto, nem é o caso de me aperrear com a postergação de tão pertinente enredo, rá rá rá, pano tem de sobra, tempo haverá, demonstrações inequívocas de cara-de-pausismo mau caráter com pedigree, a torto e a direito, pululam no breu dos becos porcamente iluminados, meu bem, é pau de dar em doido, se brincar, a memória fraca ajudando, acumulo ingredientes para escrever mais de cem.
Trinta dias redondos, eis o que a minha matemática capenga registra na madrugada, partindo da antológica, romântica noite dos gatos pardos da posse do amigo Anderson (e seus Blue Cats, rá rá rá...), ao clarão da lua e dos castiçais (lembram-se?), um mês certinho, de 29 de outubro até aqui. Meu balanço é favorabilíssimo, percebo a escola, nitidamente, descartando a bagagem sem alça, ganhando fôlego, elasticidade, um pé no sonho, outro no caminhar. Almoçamos juntos quarta-feira, jogando conversa fora, Brunão com a gente, estamos cada dia mais ligados, quem suspeitava disso, pode ter certeza, pode até espalhar. Pretendo construir, paulatinamente, tijolo com tijolo num desenho lógico, olhos embotados de cimento e lágrima, uma trilogia vermelha, branca e azul, emparelhada com a de Kieslowski, sobretudo no quesito rara beleza e poesia impactante, rá rá rá, uma profusa fatia do fuchique, pode confiar, num futuro qualquer, na hora exata, uma grossa fatia dedicada ao revolucionário momento presente, que atravessamos na valsa, embolados de chuva, suor e cerveja, frouxos de rir, produzindo História e resultados. Celebro a extraordinária conquista da galera da Licenciatura em Física, soube da ótima avaliação do MEC, fiquei contente pacas, nosso bebê, o pequeno grande físico Simba, merece todos os cumprimentos, uma maravilha esse reconhecimento, justamente no alvorecer da sua gestão. Depois que descobri, da maneira mais torpe e mesquinha, ninguém seja tolo de achar, entretanto, que aquela amputação de texto existiu, pelo contrário, jamais acontecerá, preservo meus relatos a ferro, madeira e concreto, depois que descobri que sou livre para escolher o léxico com que decido sentir e pensar e redigir as páginas da vida, minha filha, posso fazer o diabo com meu pomar de palavras, porque aprendi a correr riscos, digna e serena, e porque sei dar conta do recado, faço bem feitinho, ora bolas, sou, afinal, a proprietária da terra, dos frutos e das sementes.
Conheci uma professora de Macaé, Sandra o nome dela, parece que estava por lá ontem, entrevistando uns colegas da Licenciatura, para sua pesquisa de Mestrado, ou coisa que o valha, uma criatura bacaninha, conversadeira com farofa, querendo fazer perguntas até para o bispo, acho sensacional a criatura ter um pique desses para pesquisar, admirável mundo novo, quisera. Confesso que não trocaria olhares com ela, quem me viu na escola ontem, nem me viu, a montanha de provas, projetinhos e trabalhinhos mis soterrou meus restos mortais, eu, com esse corpinho avantajado, fiquei invisível, submersa na papelada, uma doidice com pedigree, nem tenho mais idade, vamos combinar. Ergui a cabeça porque nasci enxerida, num dado instante, entreouvi uma frase dessa moça, Sandra, guardei o nome porque gostei de escutar: “eu estou ENCANTADA com esse lugar!”. Terra, frutos e sementes dela, sem a minha interferência, deixo claro, Sandra me contou que a nossa escola tem uma energia boa, uma vibração positiva, disse que achou um barato a maneira como nos relacionamos, trabalhando com disposição e alegria, curtiu horrores a leveza e o bom humor da nossa sala dos professores, elogiou demais os colegas com quem teve mais contato, a senhora esperava tal depoimento a essa altura do baile, bela e meiga senhorinha? Nem eu. Quando julguei que houvesse terminado, Sandra ditou o desfecho dessa historinha para mim: “mas eu acho que tem a ver com o jeitão do diretor, não é? Ele me deu essa impressão de competência com camaradagem, tão acessível ele, simpático... esse cara deve ser um grande diretor, não é não?”. Um samba sobre o infinito. Transbordando de flores, a calma dos lagos zangou-se, a rosa dos ventos danou-se, o leito dos rios fartou-se e inundou de água doce a amargura do mar. Avisa em casa, ensina a teus filhos pequenos, querida amiga recente: é correnteza sem represa. Não se pode deter o coletivo movimento, muito menos dobrar um jovem coração de leão, idealista e amoroso. 

Dedico a crônica ao bebê Francisco, filho de João e Karlinha, que saiu do sossego para a confusão do mundo, no dia 30 de novembro. Um belíssimo horizonte para você, querido.

11 comentários:

  1. Então...loas à vibração positiva, que tudo caminhe a passos frutíferos para que continue assim e mais, e mais...e a senhora, também continue assim, expressando a mais pura emoção! bjs

    Mônica Athayde

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  2. Chegando por agora nessas bandas acabo de conhecer seu blog Adriana. Parabéns! Pode ter certeza, passarei por aqui em muitos outros momentos. Um forte abraço.
    Alexandre P. Carmo

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  3. Caríssima Amiga Adriana Barroso,
    Esse "sabor de aurora" tem como raios-de-sol-protagonistas cada um e todos nós (até os que são "sombra" tem participação no espetáculo, pois é nesse jogo de contrastes entre luz e sombra que se revela a beleza da manhã, a beleza das trevas abrindo espaço para a luz; luz majestosa!). Mas há palavras melhores que essas para expressar o que sinto e quero dizer. Palavras que se ajustam melhor a poesia das suas belas e líquidas palavras: João Cabral de Melo Neto.

    Tecendo a manhã
    1.
    Um galo sozinho não tece uma manhã:
    ele precisará sempre de outros galos.
    De um que apanhe esse grito que ele
    e o lance a outro; de um outro galo
    que apanhe o grito que um galo antes
    e o lance a outro; e de outros galos
    que com muitos outros galos se cruzem
    os fios de sol de seus gritos de galo,
    para que a manhã, desde uma teia tênue,
    se vá tecendo, entre todos os galos.
    2.
    E se encorpando em tela, entre todos,
    se erguendo tenda, onde entrem todos,
    se entretendendo para todos, no toldo
    (a manhã) que plana livre de armação.
    A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
    que, tecido, se eleva por si: luz balão.

    O movimento "Construção Coletiva" é você, seu lirismo e somos todos nós! "Ô, gloriosa manhã dos inícios!"
    Beijos pra você e pro Ronaldo,
    Bruno Pereira.

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  4. Pra não perder o nosso bom e velho hábito, lágrimas emocionadas. Adoro esse espaço!
    Obrigada!
    Bj

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  5. Estou mais perdido que caipira em São Paulo. Totalmente por fora dos acontecimentos que motivaram essa crônica, mesmo assim, lembro de conflitos passados que ocorreram, aqui mesmo, pelo medo de ditar as palavras. Mas como você disse, a terra e semente, essas quem detêm é você, plante as do jeito que quiser, impossível que da sua cabeça saia frutos ruins, podem até vir espinhosos, mas ruins? Duvido, minha senhora.
    PS. Espero esclarecimentos no chat do facebook, assim que me ver on, me explique tudinho. rs'

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  6. Adorei o "bucho de piaba" kkkkkkkkkkkkkk!
    Essa foi a crônica que eu consegui identificar maior número de trechos de músicas! Salve Elis Regina! Não sou nem um pouco fã de Roberto, mas admito que encaixadinho numa boa sopa de letrinhas, ficou muito bom!!

    Felipe Santos

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  7. Muito lindo, tia!!
    Bjim
    Maanu

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  8. Ai que saudade que eu estava! Regressando para ler minhas 3 crônicas em atraso! Um absurdo, prometo me comportar melhor nas próximas semanas...kkkkkk...me faz bem vir aqui e "te ouvir" contar os contos, sem aumentar os pontos! Eu também ouvi de Sandra, em uma rápida conversa, o mesmo comentário, incluindo a parte de que ela adoraria vir trabalhar aqui, que ela não vê nenhum outro igual...fiquei mais feliz ainda em fazer parte desse campus e compartilhar parte da minha vida com pessoas tão queridas quanto você! Bjo. Evelyn.

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    1. Tá vendo aí que num é minha mentira!!? Absolutamente nada é inventado, pode crer no que co(a)nto, tá me entendendo? Quer que eu desenhe, kkkkk?? No dia que eu mentir, o mundo se acaba, num sarau ao luar... Obrigada, Evelyn! Obrigada, todos! Vamos que vamos!

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  9. Adriana, não sei a razão, ainda não fiz análise sobre o assunto para descobrir, mas raramente choro. Poucos já me viram chorar. Acho que devia chorar mais, por mais motivos, etc. Mas já estou melhor do que antes. Depois que o cabra vira pai, não sei o que acontece, deve ser uma mistura de alegria e medo, a emoção surge com mais intensidade, nosso amigo João vai entender a partir de agora isso que digo. Mas o que é certo, é que se alguém quiser ver lágrimas no meu rosto, é só estar ao meu lado enquanto leio suas crônicas.
    Você sabe como a licenciatura foi atacada durante a campanha. Chegaram a dizer no debate que ela nem seria aprovada. E agora recebe nota 4 do MEC (o máximo é 5) com menos de 3 anos de curso.
    E na mesma semana aparece Sandra, pesquisando justamente as licenciaturas do IFF. E sente um clima de um campus alegre, unido. O mesmo que o MEC sentiu. Fico me perguntando como seria se eles tivessem chegado há dois meses...
    Os ventos no campus não ventam diferentes do que ventavam antes. A diferença é que agora todos nós, parte integrante dessa gloriosa tripulação, podemos juntos içar as velas na posição correta para avançarmos nos momentos oportunos e para lutar contra as tempestades quando elas vierem. Nosso barco agora vai longe...
    E tem mais: O estandarte do Sanatório Geral vai passar!
    Abraços e parabéns pela crônica!
    Anderson Cortines.

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  10. Lindo, companheiro, lindo... Obrigada...

    "... mas eu insisto e quem quiser que me compreenda, até que alguma luz acenda, esse meu canto continua, junto meu canto a cada pranto, a cada choro, até que alguém me faça coro pra cantar na rua."

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