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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Trança

Outro dia, não faz muito tempo, escrevi uma historinha encomendada, coisas do vasto mundo, minha senhora. Porque era sábado, o dia internacional da língua solta, Bruno Giga não se fez de rogado: ligou para a minha residência, despejou treze cântaros (palavra chique da gota serena!), treze cântaros de conversa mole, inclusive, minha senhora, dispondo de tempo para a experiência, no quesito papo furado, proponho que a senhora tente bater a nossa marca, não vai nunca farejar o pódio, digo logo, ninguém subestime a nossa hegemônica capacidade, minha e de Giga, de entreter falando água, somos os dois, minha senhora, absoluta e relativamente, insuperáveis, rá rá rá. Bruno quis que eu discorresse sobre sorriso, gentileza e afins, mais ou menos isso. Tanto lambe, até que fura, calçada com as alpercatas da humildade, indaguei se o pedido fora mesmo aquele: uma autobiografia, rá rá rá, só de sacanagem, que não perco a piada nem por um decreto. Joguei um charme arretado, fiz um agá, um bico de tucano, ‘pode ser, pode não ser, não sei se devo e se posso’, quando dei fé, minha senhora, queda livre, tinha despencado com a moléstia, na lábia do distinto colega, caí feito um patinho gigante. Entre mortos e feridos, salvei um verbo e estreitei um laço, assim seja a minha pobre sina, menina.
A moda parece que pegou, a senhora me acredite. Aliás, tenho uma teoria a respeito dos professores de Língua Portuguesa da nossa escola: essa gente querida anda por aí coçando o saco, não existe outra avaliação possível. A intimidade com o novo diretor me confere a possibilidade de sugerir mais trabalho para essa raça folgada, desacostumada do serviço pesado, minha mãe sempre me dizia: a mente ociosa, minha filha, é a oficina do diabo. Macaco não olha o rabo, né não, mãe? Não dou quinze minutos para essa brincadeira atravessar as fronteiras do desconhecido, distorcida até o espinhaço, e cair na boca do povo, infectada, a palavra pronunciada e escrevinhada, advirto-os, deixa de ser sua para virar Sandy, minha senhora, nas imundas mãos dos mal intencionados. Com um tiquinho de talento e muita sorte, vira literatura. Onde é que eu estava? Ah, sim, é o seguinte: tenho uma segunda encomenda. Professor Fábio Lima das Letras e dos Significados, outro desocupado com pedigree, com toda a sofisticação que lhe acompanha cada passo (uma alma elegante é o que há!), fez a solicitação: se você sentir vontade, Adriana, escreva sobre a sua relação com a leitura, será ótimo. Minha Santa Rita da Concordância Nominal, em que cumbuca fui enfiar o talo!
Não sou a criatura mais indicada para essa empreitada, vou explicar por qual motivo: eu tenho preguiça de tudo, inclusive de ler. A bem da verdade, na perigosa curva das 47 primas, estou virgem da leitura de um livro muito grosso, pronto, falei. A história pretende que eu desanime, seja comprida demais, líquido e certo. Também não tenho inteligência, nem paciência para perder meu sono desenredando rebuscamentos, Deus me livre, simplificar a vida... o resto, meus amores, vocês sabem. Acho formidável que associem o meu jeitinho especial para contar causo, com a boa leitura, sou de carne e osso, tenho ego de sobra para inflar, mas a mais pura verdade, sem aparatos, é muito menos relevante. Comigo aconteceu de, garota ainda, ler coisa de gente grande, admito, pelo azar de crescer entre adultos habituados ao exercício da leitura. Na minha casa, pensando direitinho, não existiam livros comprados exclusivamente para mim, éramos pobres, ora. Perdi, quem sabe, o frescor do texto especialmente costurado para a minha idade, pode ser. Nélida Piñon, Gilvan Lemos, Suassuna, Amado, Galeano, Vargas Llosa, García Márquez, tantos autores de responsabilidade, me lembro como se fosse hoje, conheceram-me peitinhos de pitomba, zanzando pela Rua da Aurora, deveras. Acometeu-me um cansaço de que nunca mais me livrei. Hoje a minha relação com os livros é muito engraçada. Desisto imediatamente da leitura que não se acomoda na rede, abandono qualquer preciosidade desconfortável, aqueles tijolos presunçosos sobrecarregando-me os braços. Depois que descobri que a literatura cabe na imensidão da crônica então, Maria Santíssima, o que mais faço é reler os cronistas da minha preferência, um prazer inenarrável. O segredo está na liberdade de gostar para ler, suponho. Sem restrições ou preconceitos. Gibi é uma farra. Acho também que ninguém precisa ser traça para aprender a escrever, escrever é outra beleza, que a leitura pode suscitar. Ou não. Minha outra mania é poesia, leio demais, compulsivamente, no papel, na internet, na rua, na chuva, na fazenda e numa casinha de sapê. Na opinião de quem devora poesia, um mero poema... inscreve-se. Nesse particular, minha senhora, estou com Quintana, e não abro: in the wee small hours of the morning (quando vai alta a madrugada), lindo isso, quem faz um poema, salva um afogado.

Para Fábio Lima, claro.

8 comentários:

  1. Opa...duas na semana ??? Deu formiga na rede aí, foi? Tô é achando que esse exame do labirinto sacudiu alguma coisa que não devia!rs
    "(...)a palavra pronunciada e escrevinhada, advirto-os, deixa de ser sua para virar Sandy". Muito bom isso...kkkk !!! Delícia de texto. Bjo

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  2. Pra variar...fui eu aí em cima...que esqueci de assinar !!! rs

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  3. "Bruno Giga", "peitinhos de pitomba", professores que andam por aí "coçando o saco" (no sentido mais conotativo possível, por favor!), "casinha de sapê".... Essa realmente foi épica! Muito legal a crônica!
    Sobre os livros grossos e presunçosos, eles não são apenas isso! São amedrontadores também! Ninguém nunca me explicou porque os livros clássicos são tão mofados, têm as páginas amarelas cor de anemia e tem aquela capa horrenda de couro (verde ou vermelho), com letras douradas escritas nela. Dá medo de chegar perto de um troço desses!

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  4. Aposto minhas córneas que esse aí em cima é você, meu querido Felipe, kkk!!

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  5. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Tia, você já conhece os seguidores pela forma de escrever.
    "Não dou quinze minutos para essa brincadeira atravessar as fronteiras do desconhecido, distorcida até o espinhaço, e cair na boca do povo, infectada, a palavra pronunciada e escrevinhada, advirto-os, deixa de ser sua para virar Sandy, minha senhora, nas imundas mãos dos mal intencionados."
    Um trecho da peça nova que estou ensaiando fala sobre isso...

    Eu adoro crônica e poesia.
    Já lia algumas poesias quando ainda era novinha...
    Esse povo que faz a gente ser adulto antes do tempo, termina que a gente não cresce NUNCA. kkkkkkkk
    Sou grata d+!! ;)
    Bjim
    Manu

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  6. Adriana, desocupada que sou - fazendo jus ao grupo a que pertenço -, apenas agora consegui ler a crônica da semana passada e, posso garantir, com um faro comparável ao de D. Rita, que "nao ta passada nao!"... Meu atraso, pelo menos por aqui, em nada me prejudicou. Ta eh muuuuito boa! Como diria Quintana, poética: por ser eterna sem deixar de ser uma crônica. Amei!!!!
    Bjs,
    Patricia Corado

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  7. lendo sua cronica agora pensei> o que danado tia adriana ficou fazendo longe da literatura esse tempo todo? aí, segue minha sugestao, conta a estoria do porque, na escolha entre as "linguas" a escolhida foi o ingles. tu escolheste ou ele te escolheu? :)

    mas como diria alguem q n lembro agora: "antes tarde,,, do que mais tarde"... kkk
    que bom que começasses a escrever : em portugues!!
    beijo grande, querida
    Lu

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  8. Começou assim, com Suassuna, García Márquez.... Deu no que deu... amei a crônica!! Que beleza, como flui...

    Beijos!! Cibi

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