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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

The seeds of love

O galope só é bom, bem livre de cantar. Minha vontade, não vou mentir, é apelar para a pradaria, o alazão desestribado, campina afora, baque solto e virado nos pentelhos de Jane Fonda, duas de mim no retrato, eu no berço da estrebaria, eu rasgando no dente o bucho da ventania, ancas indômitas, amplo quadril insurgente, requebrando na sela, mal escanchado. De sábado até aqui, sem tirar um dia só, absolutamente maracatudo convulsiona-me as artérias do coração e da mente. Às vezes, minha senhora, não se encontram as palavras que se está respirando. O apressado come cru, reza o ditado, entre sentir e elaborar, aspiro as partículas acontecidas, pelo bem de vagar, é meu dever inspirar e esperar. Mamãe eu quero morrer percutindo a tamarineira alfaia retumbante, numa batucada de bamba, alma cheirando a talco e a pó-de-arroz, valeu, Fluzão! (singela homenagem a Ronaldo, menino tricolor carioca, a loucura e a besteira que dorme comigo...), baticum bumbum de bebê, sacudindo as recentes pelancas ao sabor do jaz aqui mesmo, a vez é esta, no gargarejo da vida – bastidor e palco iluminado. Em cada pancada, o enredo ecoa, o bombo rompe a semente. A fofoquinha de hoje trocou de roupa dezoito vezes, anda ainda nua pelo meu país, a mais cristalina verdade. Mudou de cara e cabelo, mudou de olhos e riso, mudou de sonho e de tempo, desconfio que a carta na manga-rosa – doce essência imaculada – segue comigo, so(e)mente porque é franzina e sozinha, desde criancinha. Se existe um viés pacificado e ‘pacificante’ (UPP particular, rá rá rá...), no turbilhão de inconsistências do meu desajeitado estar à flor da pele do mundo, esse viés é o cochicho das horas sob o capacho dos dias, passa anel, passarela, passatempo, um ponto, um conto em cada canto da memória, história na gaveta puxa mote do decote costurado na coxia.
Nunca vou me libertar daquela música, desisto. Quando aposto meu fígado que esqueci, subitamente, assombrada, recordo. Dedilho o aço do instrumento impenetrável, solfejo, assobio, a voz encontra a nota remota, o verso antiiigo, como se ao passado barco coubesse resgatar o futuro náufrago, sempre fui retrógrada de todo, de carteirinha, caprina cantante e dançante... retroativa. Deve ser por isso que a minha saudade faz lembrar de tudo outra vez. Das muitas terapias experimentadas na roda de samba, amigos leitores, claro, que ninguém é doido de achar que sou madura, centrada, aprumada e bem resolvida assim (rá rá rá rá), de graça, nananina, já lanhei o lombo em quase todas as modalidades de tratamento psicológico existentes, divãs alhures, de todas as vãs naturezas, suingues módicos, caros, caríssimos, exorbitantes e indecentes, das muitas terapias, foda mesmo, com farofa, foi a provocante biodança. Entrei de gaiata no navio, entrei, entrei pelo cano, pela graça divina. Fazia análise transacional, na época, mais perdida de mim do que um ceguinho no ranger do tiroteio, morria de medo do respeitável público, do julgamento alheio. O psicoterapeuta, um dos sujeitos mais sabidos da minha vida, de saída, farejou que o buraco era muito mais embaixo, recomendou a suruba redentora: biodança na veia, me disse pra eu ser feliz e passar bem, ora bolas. Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci, mas depois, como era de costume, obedeci. Biodança, a ciência dos sentidos, é terapia grupal, trata-se do seguinte: tome-lhe música, emoção, movimento, envolvimento e confronto – a evocação do quarto escuro, enfrentamento decisivo com as aberrações internas que o sujeito deseje, de uma vez por todas, descortinar, para ver o bicho que vai dar, um lance assaz estimulante e exigente. Caiu-me como uma luva a brincadeira, dois encontros por semana, mais as imersões, no meio do mato, os instigantes projetos Minotauro, pau para comer sabão e pau para saber que sabão não se come, três anos de inferno e maravilha, sob o doce olhar atento, dentro dos braços de nuvem de Almira Rocha, a encantadora de gente. Por falar em saudade, Mira, onde anda você? Onde andam seus olhos que a gente não vê?
Anteontem, conversava com um colega de profissão, a respeito das relações interpessoais da sala de aula, assunto para um engradado de cerveja, vamos combinar. Papo de gente grande, a gente discordando visceralmente dos respectivos antagônicos pontos-de-vista, sem ganas de ofender ou injuriar, entretanto, deboche e humor maduros, jamais confundidos com insulto, a expressão da felicidade, afinal de contas, eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem, apenas sei de diversas harmonias, bonitas, possíveis, sem juízo final. Conquistei, ao longo da estrada, o direito de defender que o bacana de ser professor é a intimidade, minha senhora. O bacana da intimidade é a confiança recíproca de que a intimidade se alimenta, dia após dia. O bacana da confiança é o consentimento para errar o passo, sem desanimar. O bacana de errar é superar, acertar na mosca, logo adiante. O bacana de acertar é mudar. A gente não pode é trocar alhos por bugalhos: ser sem-vergonha não tem absolutamente nada a ver com ser vulgar, antes com esbanjar coragem de ser quem a gente é, essa metamorfose ambulante. Amor é o que dá coragem e coragem é flor que dá no generoso jardim do reconhecimento do limite individual, em vias de dilatar-se. Quem não soube à sombra, não sabe à luz. Dor de transformação. Cada coisa em seu lugar, cada lição a seu tempo. Os desafios são para você desistir, sem que isso, eventualmente, represente fracasso, sobretudo, para você resistir e celebrar o eterno deus mudança. The seeds of love blow with the wind of change, dear William. O galope só é bom, bem livre de cantar. Let your balalaika (should I say saxophone instead?) sing! 


Para os pupilos de Hospedagem 1, protagonistas da comovente aula de sábado. Did you ever think that we could be so close, like brothers? 

5 comentários:

  1. Ronaldo disse: Você me surpreende a cada dia, lembrar que eu criança torcia pelo Fluminense. A semente do amor nunca se esvai, lembro Quintana e um amigo que se foi para uma viagem no alazão da noite, cujo nome é raio, raio de luar: A vida é uma estranha hospedaria, quando se pensa que vai ficar, acaba partindo sem arrumar a bagagem e sem pagar a conta. Um grande beijo no coração, Ronaldo Leite Pedrosa. Te amo, Adriana, minha semente do amor.

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  2. O vento da mudança varreu uma turminha inteira sábado kkkk, valeu à pena levantar da cama quentinha na manhã chuvosa pra me dirigir a escola escondida no meio do mato. Não só por levar o vento em música, mas pra ver tudo acontecer.

    Tenho uma pergunta, "Seeds of love" é uma música da banda Tears for Fears?

    -Felipe Santos

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  3. Muito Bom! mas eu viajei um pouco... mas eu sei que nas duas linhas do texto me toca, só nao como me toca.. mas gostei muuito!
    Um bjo Do seu aluno filho!

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    1. Alunos filhos... Viajei foi muito agora... É muito isso, William. Vamos seguindo. Obrigada, querido.

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