Pesquisar este blog

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Ladeiras de folia

Ladeiras que só interessam a ti e a mim... Conversa mole para boi dormir, digo logo. O errado é da conta de todo mundo, isso era Dona Rita, botando pra quebrar nos ditados, eu sou essa pessoa transbordante de sabedoria popular, nos dias pares, rá rá rá, só por causa dela, as flechas certeiras apontadas para o direito, Mainha era um ‘compêndio proverbial’, um negócio impressionante, de cair o queixo, e sem alisar banca de escola, isso Dona Rita frisava bem frisado, na lata, na cara da gente, empilhava a penca de filhos letrados, uns frangotes pelados metidos a cavalo do cão, a prole no seu devido lugar, trinta e seis degraus abaixo do salto alto do sapato dela, rá rá rá, mais rasteiros que poleiro de pato. Lamentavelmente, não dei cria que crescesse amparada pelos ensinamentos da minha saudosa mãe, teria imitado Dona Rita, do meu miolo frouxo à panturrilha, na educação de uma criança somente minha, estaria abalizada, coberta inteira de razão, duvidava que a brincadeira não desse certo feito dedo na venta.
Alceu Valença escreveu adoidado sobre as ladeiras de Olinda, as ladeiras de Olinda são o palco mais apropriado para as peripécias de quem deseje experimentar o raro tempero da melhor receita de beleza, ao delicado molho da poesia completa deste glorioso país-continente sem eira nem beira. Um dia, as misérias do pão e da idoneidade vão desaparecer do meio do Brasil e do mundo, vivo de acreditar, de fazer, devagarinho, mais ou menos, a minha parte insignificante. O amigo leitor que ainda não visitou aquele épico monumento, cidade parideira de bem-aventurança, Olinda, tens a paz dos mosteiros da Índia, tu és linda, pra mim, és ainda minha mulher , meu amigo, faça a si mesmo a gentileza, sinta nos veios da face a inebriante carícia, providencie um pé-de-meia, que nem precisa ser tão estribado, Olinda sabe receber sem espalhafato, sem o sujeito precisar vender as córneas, pode confiar, já foi, nêgo? Não? Então, vá! Olinda também sabe esnobar, chique de doer, toda trabalhada na elegância e no cartão de crédito de quem pode, pode. Tem um lugar lá em cima, que não é para qualquer bico, vem justamente do Beijupirá, a historinha que pretendo lhes contar. Beijupirá é peixe e é o nome de um restaurante arrochado, o estabelecimento é luxo só, desses do cabra entrar na aba dos outros, passar bem, comer e beber da fina flor, tirar um bocado de retrato, se exibir no facebook, fazer um agá, aparecer às custas do besta da ocasião, que ninguém é de ferro. Quando retornamos daquele passeio de barco por baixo das pontes do Recife, a senhora deve estar lembrada, estávamos os quatro, eu, Ronaldo, Nilde e Isis, varados de fome. Minha irmã das altas rodas, rá rá rá, Tia Isis, convidou a gente pra conhecer o famoso Beijupirá. Tia Isis é essa figura inoxidável, é ela que see dead people, troca uma ideia legal com os desencarnados da família, rá rá rá, espírita convicta, de carteirinha, pós-graduada com louvor, aluna laureada no Liceu de Allan Kardec, só vendo. Me deu um frio na espinha, visualizei a carreirinha de zero na conta, aguardei o veredito de Ronaldo, ele concordou, relaxei, meu marido sempre sabe o que está fazendo, rá rá rá, já que tá dentro, deixe, ora ora! Minha senhora, para encurtar o causo, basta descrever o acesso ao palacete assobradado: um suntuoso elevador panorâmico, desses transparentes, acanhado, porém, no tamanho, vamos combinar. Para baixo, todo santo ajuda, distribuímos o peso sem querer, obra e graça do acaso, Ronaldo e Isis, eu e Nilde, a capacidade máxima do bicho era essa, duas pessoas, para cada viagem. A janta foi da hora, espetacular, idem para a despesa, Tia Isis fechou de badoque, assumiu sozinha todos os zeros, não rachou nem com o anjo da guarda, anfitriã arretada... e abastada. Para cima, o santo tem de contar com mais sorte. Isis e Nilde subiram na frente, claro, que eu precisava de um mico king kong para a posteridade do blog. Ronaldo e eu emperramos a dois passos do paraíso, sem saber os desejos aonde é que iam dar. O bicho parou antes do fim da linha, rá rá rá. Ficamos presos, no alto, de repente, o solavanco e uma ré inesperada, rá rá rá, anarriê!!, voltamos, com mais de mil, para a base, Nilde viu tudo, ria de perder o chapéu, Isis, abiscoitada de nascença, aluada com pedigree, sem perceber a confusão, comunicando-se, decerto, com um Gasparzinho camarada do lugar. Quando a gente aterrissou, a bela jovem, muitíssimo educada, quebrando tudo na pantalona e no bico fino, rá rá rá, sugeriu que subíssemos um de cada vez. Ronaldo não perde a piada, disparou, no quente: esse caixote é de papelão, é, menina? Não levanta duzentos quilos? Tinha que pendurar uma plaquinha exclusivo para magros, né não, madame?
A gente ainda tentando respirar, recuperar-se das gargalhadas, eu ria de engasgar, de mijar na roupa, rá rá rá rá rá rá, só vi foi um aborígene da velha Marim, na minha janela, o rasta surgiu do nada, trancinhas eriçadas, gritando é contramão, minha senhora!!!! Tá doida, é???, para Tia Isis, a motorista. Isis já não é muito orientada do juízo, na pândega, como diria Dona Rita, a coitada errou o caminho, entalou numa ladeira estreitíssima, escorregadeira, rá rá rá, um magote de turista mais perdido que filho da puta em dia dos pais, encostou logo na bunda do carro, não demorou, a cena era essa: uma carreata atrás, outra na frente, a gente no meio, Isis danou-se a rezar, nunca ri tanto na minha vida. Nilde decidiu chamar a polícia, desembestou a pé, ladeira abaixo, potoco, potoco, o salto no paralelepípedo, rá rá rá... Com pouco, avistamos a luzinha vermelha, a viatura, os guardinhas tiveram uma trabalheira dos diabos, explicando, é uma contramão, ela deve ser turista, rá rá rá rá rá rá rá, turista com placa de Recife, rá rá rá rá rá rá. Abriram um espaço para Tia Isis manobrar, uma ruazinha de nada, inclinada pra raio, Ronaldo não podia dirigir, tinha bebido, o jeito foi apostar todas as fichas na espiritualidade, rá rá rá rá rá rá, meu Deus, que coisa mais engraçada! Quando a gente, finalmente, conseguiu sair daquele novelo, entrando em Recife já, Nilde comentou bem assim: olha, Isis, se eu não tivesse ido buscar, com os meus adorados pezinhos, rá rá rá, os policiais, a gente tava fodida, não saía dali era nunca mais! Tia Isis: engano seu, Nilde. Você foi o instrumento, é diferente. Meus amiguinhos desencarnados, meus mentores espirituais trouxeram aquela viatura. Nilde: e foi, foi??? Mas era só o que me faltava!!! Pois você vá tomar bem no centro 'daquele canto' por causa disso, sua porra!!!!!!!
Eu lembro daquela menina subindo ladeiras
Ladeiras de frevo e preguiça da velha Marim
Ladeiras tão carnavalescas, escorregadeiras
Que na terça-feira jogaram você sobre mim
Ladeiras sugerem saudade, minha companheira
Ladeiras que só interessam a ti e a mim
Eu subo e descubro
Que a vida é feito ladeiras
No seu sobe e desce contínuo
Princípio e o fim
Perdi um amor tão bonito naquela ladeira
Que vai dar no Alto da Sé
No Bar Querubim
E hoje a saudade me aperta de toda maneira
Ladeira da Misericórdia tem pena de mim

Ladeira da Sé, ladeira preguiçosa
Ladeira do Amparo, da Misericórdia, amor...
Ladeiras, ladeiras...
(Alceu Valença)

5 comentários:

  1. Olha, quem tem um medo descomunal de elevador é minha mãe, não pega de jeito nenhum. O único incidente amedrontador que tive com essas "caixinhas de papelão", foi quando estava descendo em uma delas pro primeiro andar do Lagoa Shopping. É que ela parou de funcionar por LONGUÍSSIMOS 2 segundos kkkk, não mais que isso. Deu uma piscadinha na luz, um tranco, e depois continuou descendo. Foi o bastante para me causar um infarto, um AVC, uma crise epilética com uma pitada de morte súbita kkkkkk, já estava a ponto de encomendar minha alma! Imagine só ficar trancado dentro de um cubinho escuro, suspenso, sem saber o porque daquilo tudo! Foi horrível, foram só alguns segundos, mas ainda sim foi horrível.

    Eu fico maravilhado com a coordenação motora e força nas pernas daquela galera que dança frevo nas ladeiras de Olinda! Além de fazer aqueles paços rápidos, descem e sobem as ladeiras mais verticais do mundo como se fosse fácil. É um escândalo pra meros mortais como eu hahahaha

    Agora vou te falar hein! Essa Tia Isis encomendando policiais via comunicação espiritual, foi demais kkkkkkkkkkkkkkk. Preciso de uma dessas pra resolver meus problemas! Linha direta e privilegiada com o Além. Adorei o final da crônica!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... Tia Isis num é fraca não... Ainda ontem, despachou um time de desencarnados, da primeira divisão, sem reserva, kkkkkkkkkkk!!, pra cuidar da minha enxaqueca... Uma figuraça! Aceitei, kkkkk, de bom grado, a pessoa com dor, filhote, faz qualquer negócio, kkkkkkkk!!

      Excluir
  2. kkkkkkkkkkkkk muito bom, tia.
    essa eu também queria ter visto, misericórdia kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk literalmente
    e mainha não me contou menina....
    essa crônica me lembrou que vou passar o carnaval ai,quem sabe em uma dessas ladeiras, carnavalescas, que sugerem saudade;;;;
    a vida é feita de ladeiras..
    adorei, sua crônica arrasou tia!! pra variar...
    beijo,
    Lu
    beijo com saudade

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Kkkkkkkkkkkkkkkkk... Parece mentira, kkkkkkkk... Não é! No dia que eu mentir, o mundo se acaba, kkkkkkkk, num frevo rasgado!!

      Excluir
  3. Gente... Acho que tia Isis já mandou o seu esquadrão desencarnado pra Cabo Frio, partes dos meus problemas foram resolvidos. Menina, Doutorado pode não ensinar a dar aula, mas foi a nossa salvação né Lipe? Hilariante, ri do começo ao fim, muito bom. Eu particularmente adora Elevadores, os de Cabo Frio nem tanto por que são poucos andares, nem tem graça.

    ResponderExcluir