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sábado, 19 de janeiro de 2013

Puro amor

A rosa do amor tem sempre que crescer, minha senhora. Não estando na vibe do mo(vi)mento, minha senhora, a senhora, por favor, não se acanhe, tenha a bondade de recolher seus módicos pertences, o banquinho, a rabeca, deslize, no assoalho encerado, os delicados pezinhos de lã, atravesse muda o arco da porta, sem desviar a mínima atenção, faça a gentileza, dos inapelavelmente atrelados ao bonde da minha doce e terna historinha de par perfeito, carregue consigo o pesado alforje de azedume, que o fardo lhe machuque o ombro e a clavícula, por fora e por dentro igual talo de macaxeira, nem ligo, ligue não, minha filha, isso é inveja, a inveja é um sentimento muito feio, feio e potente, desconsidere, ignore, manjericão, o patuá e uma prece, Adriana, doravante, aprenda. Dona Rita era mesmo uma figurinha de cromo, rá rá rá, bolo na mão e cafuné, beliscão com alfenim, mordia e assoprava, na medida certinha, nem se falava em psicologia, naquela época, a cantiga ninava e o pau comia, seus filhos seriam duros, fortes, e moles que nem manteiga – humanos, porque é desse jeito que se cria, sua vida sem mãe lhe ensinara, com que sabedoria, Mainha, por sua conta e risco, na corda bamba de sombrinha, levantava e baixava a nossa bola – o livre balão da razão e da emoção da gente.
Antônio Maria é um cronista pernambucano da maior importância para o planeta inteiro. Eu sou doida por tudo que ele escreveu enquanto viveu, ah, tua distância tão amiga, esta ternura tão antiga, o desencanto de esperar... sim, eu não te amo porque quero... arrepio do dedão ao cocuruto, com os poemas que a voz inconfundível de Dolores Duran imortalizou, Dolores, a bênção. Minha dinossaurice crônica referenda: sou velha, e daí, há velhos chegados ao pagode muito antes de mim. Deve ser a coisa mais extraordinária, imagino, o sujeito partir dessa para melhor, havendo inscrito, na curva da estrada, para a salvação da moçada, esse luminoso rastro de eternidade, venerável Antônio. Julgava-se cardisplicente, uma mistura de cardíaco com displicente, veja você, que maravilha, distraídos, venceremos, a senhora já sabe. Acabou morrendo mesmo do coração, coitado, difícil hospedar tanta solidão dentro do pobre peito, o músculo pifa, não dá para ser de outra maneira. Meu marido e eu desencarnaremos de um jeito parecido, suponho, vamos seguindo a trilha dos grandes amadores. Dia desses, um dia frio by the way, num bom lugar para ler um livro, rá rá rá, cismei de fuçar umas coisinhas sobre Antônio Maria, na net, às vezes penso que, não fosse essa besteira de dar tanta aula à toa, um desperdício com pedigree, onde já se viu o cidadão achar que precisa de um professor para estudar um idioma, um tablet desses que nunca vi nem comi, só ouço falar, mais uma ideia fixa, minha senhora, bastam, dão de sobra, Inglês ainda por cima, que se enrola e desenrola em qualquer esquina e estamos conversados, sinceramente, não fosse essa chatice de ter que trabalhar, despejaria um carro-pipa de erudição por onde andasse, eu mesma a maior autoridade no assunto, a mais conceituada pesquisadora de pernambucanos ilustres (três vivas para o meu rincão adorado, nobre celeiro de escrevinhadores geniais, rá rá rá!), do passado e da atualidade. Embasbacada com a coincidência, descobri que Antônio Maria, certa feita, publicou o seguinte: Numa declaração de bens, citaria, entre as primeiras coisas: ‘Conto com a amizade de Rubem Braga’. Eram amigos! Parágrafo encerrado.
Numa declaração de bens, citaria: Conto com Ronaldo Barroso, meu primeiro e último amor apaixonado, e demais pessoas que me têm afeto, família e amigos leais, meus queridíssimos alunos, inclusive. Meus quarenta e muitos anos, rá rá rá, foram bastante celebrados, fiquei profundamente comovida com a cascata de  deliciosas felicitações virtuais, via facebook, tantas palavras aconchegantes, aromáticas, com temperatura, como é bacana dar o seu a seu dono, Dona Rita, reconhecer a importância deste instrumento tão integrador (será?), que nos possibilita acomodar o corpo e a alma na rede, a bunda na janela, socializar apreciações, as nossas verdades e mentiras, os apreços, saberes, vivências, humor, belezas, poesia, a rebimboca da parafuseta, o sujeito até apanha aqui e ali, de um canalhinha da ocasião, levanta, sacode a poeira cósmica, rá rá rá, curte um provérbio chinês, comenta um post absolutamente imprescindível, logo adiante, renova o olhar para o outro, reinventa a relação com o mundo, no fim, minha senhora, não se perde nada – tudo é a troca da qual emergimos, ampliados, mais vivos. Terça-feira passada foi humanamente inesquecível. Ganhei festas, no plural, madame, com direito a bexigas coloridas espalhadas pelas paredes e quadros brancos pichados de carinho e gratidão. Ganhei torta de chocolate de Ovomaltine da Choco-rá, nem acreditei quando vi, minha torta favorita, convidada para o samba, rá rá rá, ganhei tantos presentes, cupcakes, brincos, perfume, sabonete, uma foférrima caixinha cor-de-rosa para eu guardar o que eu quiser, um livro que vai chegar a qualquer momento, rá rá rá, uma coisa de comer muito gostosa que vou saber o que é somente na próxima terça-feira, rá rá rá, ganhei um vasinho com uma plantinha, minha senhora, as folhinhas e as floresinhas me lembrando de tocar o barco, continuar a crescer, para a frente e para o alto, as raízes me impelindo a compreender para trás. Estou assim meio guri buchudo, no dia seguinte ao aniversário, com o riso frouxo, entretido com os novos brinquedos, sob o anestésico efeito da intensa alegria. Ninguém segura esses bebês. Vocês souberam. Vocês sentiram. Vocês fizeram. Não consegui escapar de ser genuinamente feliz. Tarde aprendi a gozar a juventude, e já me ronda a suspeita de que jamais serei plenamente adulto. Os meninos de Hospedagem compreenderam, finalmente, por que vim morar no Rio de Janeiro. Surpreenderam-se ante a bombástica revelação de que fora apenas amor. Puro amor. Faltou contar a melhor parte, os detalhes do nosso primeiro encontro, no aeroporto. Tempo haverá, rá rá rá rá rá rá! Do fundo do meu coração, rapaziada sangue bom, obrigada.


Crônica dedicada aos meus alunos. De todos os tempos.  

4 comentários:

  1. Lindo... Opa, quero ouvir essa história hein? No aeroporto, depois Luana vem me dizer que inventar estória pra dar desculpa pra que você não perceba a festa é coisa de filme. Que logo de cara ela iria sacar. Vê se pode? Essa mulher que viveu uma história que ganharia um oscar. Pfvr. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk' E a torta de ovomaltine estava realmente incrível. Ai, saudades torta.

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  2. Se Dona Rita é uma figurinha de cromo, essa filha dela é uma figurinha de cromo em 3D sabe? Daquelas que todo mundo quer, mas é difícil de encontrar? Essa mesma! A mais cobiçada! Ouvir sua história de vida foi bom demais, saber como essa pernambucana saiu do nordeste pra encantar corações em terras cabofrienses não teve preço. Nem adjetivo bom o suficiente que nomeie o sentimento. Eu não diria que aquela terça feira que começou com todos os pés esquerdos do mundo vezes mil pra mim, se revelaria tão alegre logo mais à tarde!!

    A historinha do aeroporto são as cenas dos próximos capítulos, que estão interessantíssimos por sinal. Tem uma legião de fans de hospedagem 1 esperando por eles.

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    1. A alegria é a melhor coisa que existe!!!! É assim como a luz no coração!!!!

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  3. Olha eu aqui estreando no Fuchique(sou chique,bem..).Poxa teacher,você me fez chorar de novo(rá rá ra).Foi muito bom saber da sua trajetória até aqui para fazer das nossas terças-feiras mais felizes.Estou louca pra saber sobre as próximas histórias que virão.Obrigada,bjinhos.

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